quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Karl Marx - Relato de cinco Aulas trabalhadas em sala de aula.























Das primeiras comunidades ás sociedades civilizadas, as relações sociais sofreram grandes mudanças. Nas primeiras comunidades, as relações sociais baseavam-se nos laços de parentesco, nos usos e costumes comuns, na cooperação entre os membros do grupo. O alimento a terra, o rebanho compunham propriedades coletivas da comunidade.
Nas sociedades civilizadas, quase todos esses elementos se modificaram. A cooperação foi substituída pela competição social, surgindo a propriedade privada da terra e de outros bens. O acúmulo desigual de bens materiais pelos indivíduos passou a diferenciar as pessoas, surgindo então a relação de poder entre ricos e pobres. Criou-se o estado governado por uma minoria, detentora dos poderes econômicos (riqueza) – político (força) e ideológico – (saber). Segundo WEFFORT:
A junta administrativa de uma classe dominante para que a sociedade burguesa seja preservada e, mais que isso, cumpra as leis do seu desenvolvimento, parece necessário que o estado ganhe autonomia sobre a própria classe dominante. A burguesia se beneficia do estado e não é mais ela quem governa. Ela entrega sua autonomia em troca da preservação de sua propriedade e de sua capacidade de enriquecimento. [1]
De acordo com Weffort, ao relfetir sobre o pensamento marxiano, o estado serve a burguesia justamente por que preserva os seus interesses. Por conta dessa afirmação podemos destacar a crítica de Marx aos aparelhos ideológicos da sociedade capitalista, uma vez que o estado tem interesses comuns aos interesses da burguesia. Os magistrados os representantes legais e a própria constituição do estado, assim como a educação e a religião, são para Marx, os alicerces de uma infraestrutura que determina a consciência de uma sociedade. Por esse aspecto estudamos Marx, levando em consideração a analise e a concepção histórica de determinada sociedade em determinado tempo.
A atualidade de Marx em pleno século XXI é muito grande. Embora seja uma influência um tanto acadêmica e subsidiária das contradições sociais no terceiro mundo, principalmente, nos países mais pobres da América latina. Muitas das vezes exacerbando discursos não condizentes com a realidade. As teorias marxianas foram revisadas e reformadas ao longo do século XX pelo que se costuma chamar como jargão de marxismo. Todavia dentre as numerosas contribuições por Marx e contra Marx da-se na preponderante crítica ao capitalismo e suas facetas. Se algum pensador um dia chegou perto o suficiente de uma crítica quase que profética sobre o capitalismo, tanto em seu caráter epistemológico, antropológico e econômico, esse pensador foi Marx. Nosso artigo aponta para observação que; embora com erros e acertos, todo pensador, deixa seu legado, pelo qual pode ser negado, adorado ou reinventado. Não foi diferente com Marx. Um intelecutal que não fugiu ao seu tempo, simplesmente pensou e agiu de acordo com seu terreno histórico e pagou um alto preço por isso. Para concluir WEFFORT destaca a atualidade de Marx:
A influência da obra de Marx na política do século XX é evidente. O que não impede que continuem no interior do marxismo e fora dele, os debates a propósito de sua adequação aos tempos atuais. São questões não apenas difíceis de resolver, mas que aparecem com freqüência, marcadas tanto entre seus seguidores como entre seus detratores. [2]
Concluímos com louvor que embora Marx visse o mundo de uma pequena janela no século XIX projetada para posteridade, ao querer mudá-lo, até mesmo de forma apaixonada, argüida e agressiva ás vezes, seu legado foi muito maior que isso: de sua pequena janela viu o dinamismo das convulsões sociais e políticas de seu tempo e de tempos vindouros, desde a derrocada de um capitalismo autodestrutivo em sua análise, a própria ressurreição do sistema capitalista;Em meio uma experiência conturbada na antiga união soviética. Muitos fatos nem mesmo Marx poderia cogitar. sua teoria reflete como um antídoto marxista de seu próprio veneno. Trocando em miúdos foi e é preciso ler Marx para se opor a Marx. Um pensador polêmico contemporâneo e atual.

REFERENCIAS.


COTRIM Gilberto, História do Brasil, Saraiva 2005.
HOBSBAWM, Eric. Marx, Engels e o socialismo pré-marxiano.
MARX, ENGELS, Manifesto do Partido comunista, Martin Claret, São Paulo 2003.
Marx: Política e revolução. WEFFORT. C.Francisco.
AUTOR: SILVA,Neto,Hugo.


[1] P.295 Marx: Política e revolução WEFFORT. C.Francisco.
[2] P.296 Marx: Política e revolução WEFFORT. C.Francisco.

Sociedade: tolerância, confiança e amizade.














Olgária Matos
Professora de Filosofia Política do Departamento de Filosofia da FFLCH-USP e autora, entre outros, de Os Arcanos do Inteiramente Outro ­ A Escola de Frankfurt, a Melancolia, a Revolução (Brasiliense).
"Todo homem traz consigo a inteira humana condição" (Montaigne).


A filosofia grega antiga concebeu para o Ocidente o ideal cosmopolita de um mundo sem fronteiras. Diógenes (séc. V e IV a.C.) reconhecia nelas convenções ­ separam os homens e os isolam, produzem perseguições e as guerras em nome das quais indivíduos ora se entre matam, ora trocam medalhas: "verdade aquém, falsidade além dos Pirineus", exclamaria Pascal. Experiência do absurdo e da ambição dos homens, o "cidadão do mundo", ao contrário, nasce de um generoso cosmopolitismo apátrida que une os homens ­ seres expostos, vulneráveis, mortais. Também o Humanismo da Renascença endossava a unidade do homem e da natureza, recepcionando-a agora pelo enlaçamento de todos os viventes do Universo pela "alma do mundo". Nesse horizonte, inscreve-se, também, a visão internacionalista que esperava do proletariado mundial a emancipação do gênero humano; herói libertador do atavismo da exploração e da dominação reuniria, por sua ação criadora, poesia e revolução rumo a futuros gloriosos, dissolvendo barreiras entre os homens e entre as nações. Um princípio de reciprocidade entre culturas diversas esperava uma harmonização do diverso e mesmo do oposto. Humanismo renascentista e iluminismo marxista possuíam uma determinada interpretação do homem e da sociedade, a partir da qual procuravam formar o homem para o aperfeiçoamento de si, de seus talentos e habilidades e para a concórdia na cidade.
A partir da Revolução Francesa e com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, seus valores passaram a constituir o ideário mais nobre do humanismo moderno. Sua transmissão se faz, na alternância das gerações, pela educação formadora do caráter na vida privada e da tolerância no espaço público. E-ducere significa "conduzir para fora de", evocando a idéia de itinerário e caminho de um ponto a outro ou de um ao Outro. Tolerare, por sua vez, é levar, suportar e, também, combater. Neste caso, tolerar é esforço para desfazer ortodoxias, revelar a dessemelhança no que parece homogêneo, a fim de que um possa ir ao encontro do Outro. Se a tolerância é algo que se aprende e ensina, seu lugar preferencial é a Escola. Com sua instituição no espaço público, modernidade veio a significar, entre outras coisas, ler pensadores clássicos no original grego ou em latim, porque ricos e pobres ocupavam os mesmos bancos escolares. Em seu Emílio ou da Educação, Rousseau elaborou os princípios que regem um coração virtuoso para o aperfeiçoamento dos costumes e da vida em comum. Progresso só pode ser entendido nos termos segundo os quais há avanços apenas quando ao desenvolvimento econômico corresponde desenvolvimento humano. Hoje, ao contrário, a idéia de progresso faz coincidir conquistas tecnológicas e científicas e "evolução" da humanidade, dissimulando as regressões da sociedade. Estas são consideradas acidentes de percurso do que se convencionou designar por modernidade. Esta, por sua vez, passou a definir-se a partir da hegemonia da ciência e da técnica. Neste sentido, Habermas (em A Ciência e a Técnica como Ideologia, Paris, Gallimard, 1978) refere-se à atitude positivista e também tecnicista que hipostasiam na ciência o equivalente a uma nova fé, sendo considerada a fonte por excelência das soluções para o conjunto dos problemas da humanidade.
Nosso século combinou de maneira singular industrialismo e militarismo, expansão do capitalismo milionário e dissipação do Estado-Nação, racismo e patriotismo em um misto praticamente indiscernível entre Ciência e falsa consciência, entre conformismo científico e o político. Sua gênese encontra-se na racionalidade que constitui o mundo moderno. Neste sentido, Hannah Arendt pôde escrever ter sido Galileu um dos primeiros a realizar um gesto de alienação do homem no mundo, ao transformar a observação a longa distância pela utilização do telescópio, alienação esta que provocou uma separação entre o homem e o universo (cf. A Condição Humana, Forense Universitária). Diferentemente do saber medieval que pretendia preparar o homem para a santidade, e do Renascimento que buscava a geometria cósmica, a ciênica moderna é essencialmente mundana; dela derivam nossos bens úteis e materiais. A Ciência desenvolve-se em um universo que ignora o homem, enquanto o homem vive em um mundo que ignora o universo. Colocando-se acima da humanidade, a ciência constrói um sujeito abstrato, concebendo a natureza por triângulos, retas e plana. O mundo natural passa a ser considerado segundo regularidades quantificáveis, enquanto o homem é incoerente e imprevisível.
A predominância da racionalidade tecno-científica resolve-se, no nível político, em genocídio. A catástrofe não é da ordem da natureza, mas da cultura: "o terremoto de Lisboa", escreve Adorno, "foi suficiente para curar Voltaire da teodicéia leibniziana, e a catástrofe ainda compreensível da natureza foi mínima confrontada com a segunda, social, que escapa à imaginação humana. Porque, nos campos de concentração, não morria mais o indivíduo, mas o exemplar. O genocídio é a integração absoluta que se prepara onde os homens são homogeneizados, onde 'acertam o passo' como se diz em jargão militar" (Negative Dialektik, Suhrkamp, 1980, pp. 326-7). Se o terremoto de 1755 constituiu-se como um acontecimento filosófico crucial , isso não se deveu apenas a seus incontáveis mortos, às ruínas e à destruição da cidade. Foi este o fato a recolocar no centro das investigações metafísicas a questão do Mal na natureza, o que abalava os fundamentos da harmonia preestabelecida no mundo leibniziano e seu "melhor dos mundos possíveis". Frente à catástrofe atual, ela não mais se liga à história da natureza mas à história da cultura, que, por sua vez, pôs a nu a desordem estabelecida tanto por Auschwitz quanto pela razão ocidental, que dissolveu o mais inassimilável do humano no Totalitarismo. Tão abstratos quanto os números são os homens, quando reduzidos a conceito ou sujeito, na indiferença entre o momento lógico e o psicológico no conhecimento, passando a Ciência a ser indiferente a seus objetos de reflexão. A predominância do cânone das ciências exatas faz da sociologia uma ciência sem sociedade. Na razão científica Adorno descobre o que torna possível a exclusão, a perseguição, o preconceito. O mundo construído pela ciência resulta em sua desertificação técnica, e seus procedimentos teóricos e metódicos "não passam de práticas mágicas sublimadas": "o animismo animou o inanimado, o industrialismo retificou a alma" (Dialektik der Aufkärung, Frankfurt, Fischer Verlag, 1980, p. 29). A conversão de todos os existentes à condição de coisas provém ao mesmo tempo do mercado mundial e da ciência planetária: "sem pretender aproximar-me minimamente do significado das causas econômicas da guerra", anota Benjamin, "podemos afirmar que a guerra imperialista, no que tem de mais terrível e fatal, é co-determinada pelo abismo entre os gigantescos meios da técnica, por um lado, e sua exígua iluminação moral, de outro" (cf. W. Benjamin, Documentos de Cultura, Documentos de Barbárie, seleção e apresentação de Willi Bolle, São Paulo, Cultrix/Universidade de São Paulo, 1986, pp. 130-7). A associação entre ciência e guerra dá-se no apogeu do domínio humano da natureza. A humanidade, que renunciou ao milenarismo na história, adotou-o, não obstante, em sua figura tecnocêntrica: "O saber que é poder não conhece limites. Serve aos empreendimentos de qualquer um []; na fábrica ou no campo de batalha está a serviço de todos os fins da economia burguesa. [] A técnica é a essência desse saber. Seu objetivo não são os conceitos ou imagens, nem a felicidade da contemplação, mas o método, a exploração do trabalho dos outros, o capital ("O Conceito de Iluminismo'', in Os Pensadores, São Paulo, Abril Cultural, 1973, p. 98). Assim fetichizado, o método científico transforma o saber em instrumento: "o avião de combate é artilharia eficaz, o telecomando é bússola de maior confiança. O que os homens querem aprender da natureza é como aplicá-la para dominá-la completamente e aos homens []. Poder e conhecimento são sinônimos" (idem, ibidem).
O progresso não realizou por si só a felicidade dos homens. Quanto mais se acumulam métodos e instrumentos, menor é seu sentido. Mundo que determina todas as esferas da vida pelo fator econômico e científico identifica a totalidade dos bens com bens materiais. Ciência e sociedade tecnocrática formam destros escultores, sem que jamais tenham questionado o que é o Belo; hábeis construtores que utilizam materiais de ponta mas que desconhecem as nervuras do conhecimento; substituem a lei pela regra; em seguida a regra pela simples fórmula para o funcionamento lógico do pensamento. Com exímios gestores financeiros não se corre o risco de enfrentar o drama da condição do homem e do sentido da vida.
O nazismo como emblema do Mal radical questiona o otimismo científico pois o confronta às regressões da sociedade. Fanatismos, racismo, etnocentrismo e guerras ocorrem em meio a conquistas da ciência ­ cujo desenvolvimento viabilizaria a passagem, não mais do "socialismo utópico ao socialismo científico", e sim "do socialismo científico ao socialismo utópico". Conhecer a razão científica é compreender o que torna possível a exclusão, a perseguição, o preconceito. A cultura fundada no princípio de identidade tem por aliado o de origem. Havendo sempre algo de primeiro e uno, cada grupo se vê como o verdadeiro herdeiro da origem, tão identitária quanto sedentária. Não se pode, porém, reencontrar em um homem as características gerais que permitam assimilá-lo a outros e dizer: "sou grego, sou alemão". Pensemos nas palavras de Nietzsche quando analisa a palavra Entstehung (origem), com o que o filósofo se dirige à história do século XIX europeu, "pátria de misturas e bastardias, época do homem-mistura": "o europeu não sabe o que ele é, ignora que raças se misturam nele, procura o papel que poderia ter; não tem individualidade []. Os alemães se pretendem a raça pura para dominar a confusão das raças de que são constituídos" (cf. Genealogía de la Moral, Aguilar, 1949). Assim como Nietzsche aponta na cultura grega clássica o princípio apolíneo como negação interna de seu dionisismo, o mesmo se passa nas guerras de seu tempo: "tal como os gregos se enfureciam no sangue grego, assim agora o fazem os europeus no sangue europeu". A hybris da identidade é a da ciência, da política e a do mercado. Neutralidade da Ciência e lei da equivalência só reconhecem o poder como princípio de todas as relações. A associação entre indústria, guerra e ciência já está presente em Bacon que, em seu Novum Organum, vincula a ciência ao desenvolvimento industrial agressivo, sob auspícios expressamente materiais. Sua crítica pode ser encontrada nas palavras de Alain quando trata da Primeira Guerra Mundial: "essa guerra é um erro do pensamento" (cf. Propos sur le Bonheur, Seuil). Se o filósofo assim a considera é por reconhecer nela um "engano" teórico e intelectual, uma vez que na explosão sangrenta e na destruição há um fio condutor dirigindo os homens e as armas: "a guerra não é a manifestação periódica da violência ou eclosão espontânea da agressividade". Ao contrário, implica organização, controle, autocontrole, subordinação e obediência, quer dizer, planejamento, disciplina, "educação" para a guerra. Neste horizonte inscreve-se a experiência da "banalização do Mal, da volatilização da culpa, mundo da equivalência, como o do mercado, da indiferença, como o da ciência. Indiferença, ainda, do cidadão sujeito político ­ com respeito à vida pública ­ de cidadão se metamorfoseia em consumidor, da mesma forma que o espaço público se converte em imagem pública.
De início, espetáculo e especulação possuem raiz comum: "de mesma origem, estão ligados à idéia de conhecimento como operação do olhar e da linguagem. A cultura está impregnada de seu próprio espetáculo, do fazer ver e do deixar-se ver. A questão não se coloca diretamente sobre o espetáculo, mas com o que lhe sucede quando capturado, produzido e enviado pelos meios de comunicação de massa" (Marilena Chauí, "Aula Inaugural", FFLCH-USP, 1992). Já no século passado, Feuerbach escreveu: "sem dúvida nosso tempo prefere a imagem à coisa. A ilusão é sagrada, a verdade profana". Isto significa a entronização do divino em objetos inanimados, a radicalização do fetichismo.
Marx, por sua vez, falava das "sutilezas metafísicas e argúcias teológicas" que se inscrevem nas mercadorias: "toda a vida das sociedades nas quais reinam as modernas condições de produção apresenta-se como um imenso acúmulo de espetáculos" (Guy Debord, La Sociéle du Spectacle, Buchet-Chastel, 1967) Exposição ao olhar tem, simultaneamente, sentido hipnótico e político, o que se revela no panóptico projetado por Benthan, figura moderna da gestão das massas. O Panóptico de Benthan, concebido para fins carcerários, manifesta intenções claras. Sua estrutura arquitetônica permite aos vigias ver sem, no entanto, serem vistos; quanto aos prisioneiros, são a um só tempo visíveis e incapazes de ver. Há aqui um dispositivo visual que é, melhor dizendo, uma sugestão de visão: o indivíduo se torna dócil, submetendo-se a uma vigilância tanto real quanto virtual. O panóptico é um pequeno teatro, onde cada detento aprende a desempenhar seu papel de prisioneiro para um público hipotético. Segundo Foucault, sua fantasmagoria máxima encontra-se nessa visão globalizante que é a realização última do puro valor de exposição de indivíduos sem defesa. Imagem e exposição total possuem no mundo do fetichismo significados secretos: ao mesmo tempo em que a imagem visível dos governantes deve ser periodicamente trabalhada ­ tudo deve ser mostrado a fim de torná-los próximos ­ já que tudo acompanhamos acerca de sua vida privada ­ ao mesmo tempo, porém, há sempre nisto algo de inacessível, de impalpável e estranho. Em outras palavras, a imagem pública transforma-se em mercadoria e se comporta como as leis do mercado. A sociedade do direito vê-se sorvida pelo mundo anárquico da publicidade e do capital.
O mercado, já se disse, não reconhece direitos. Em termos, pois vale a "lei do mais forte". Semelhante ao descrito por Marx em Formações Econômicas Pré-capitalistas, quando massas inteiras de servos da gleba foram arrancadas de seu modo de vida, crenças e tradições e violentamente lançadas na selva das cidades, vindo a constituir, na Inglaterra, o proletariado moderno, o Estado mínimo em curso, com a privatização sem critérios do que é público e a associação do público ao privado, traz de volta, com a flexibilização das leis trabalhistas, desemprego crescente, miséria material e espiritual. As novas massas, analogamente àquelas do século XIX, denunciam a ficção dos direitos civis. Elas constituem os "novos bárbaros", são o "estrangeiro" de todas as sociedades, o proletariado sem pátria, sem tradição ­ todos os excluídos da modernidade. Direito, numa democracia, observa Lefort, não é aquilo de que se destituem cidadãos, mas o que se exerce em seu benefício, no sentido de sua permanente ampliação àqueles dele desprovidos. Direito significa, também, invenção permanente de novos direitos e, sobretudo, a representação do direito a ter direitos. A destituição de direitos trabalhistas visa a superconcentração e acúmulo do capital. A economia faz-se passar por um ciclo fechado de fenômenos objetivos, quando é, melhor dizendo, política econômica. Nela, os números se comportam como a oratória nos comícios: não são portadores de nenhuma objetividade irrefutável. A economia, através de estatísticas, porcentagens e números, como única maneira de pensar e de ser, é um poderoso redutor do pensamento. O futuro é visto como previsível e controlável e só é evocado como justificativa do que se quer fazer no presente. O discurso oficial dos governantes não reconhece os descontentes da civilização, de tal forma que os conflitos sociais são considerados ilegítimos, seus agentes, incompetentes sociais, de modo a "não haver mais separação entre a posição dos dirigentes e o Poder, nem entre o poder do Estado e a sociedade. A noção de sociedade civil apaga-se" (Lefort, in A Invenção Democrática). O Outro é sempre e só o provocador a ser isolado e, no limite, considerado como desviante ou anti-social.
Neste horizonte, mesmo anacrônicos, os ideais de respeito, tolerância e autonomia do pensamento podem constituir uma reversão de dogmas que geram preconceitos se a estes se contrapuser a prática do diálogo. Noção das mais importantes, este encontra-se intimamente ligado não somente à Filosofia mas ao próprio ato de pensar. Diálogo supõe movimentar-se num campo semântico e conceitual que leva em conta o discernimento,
a distinção, a diferença. O diálogo "é o fazer-se palavra da consciência" (Mario Perniola, Transiti, Bologna Capellli, 1985, p. 140). A assim denominada "mundialização da cultura" pela cultura média midiática produz uma inflação da linguagem, pois todos falam de tudo, acabando-se por confundir tudo. O prefixo dia justaposto ao logos indica, ao mesmo tempo, o que une e o que distingue os contrários.
Para haver diálogo na sociedade, na política e entre culturas é preciso haver encontro ­ o que só ocorre com a condição "de que duas culturas tenham esquecido e abandonado para o esquecimento a própria origem, e isto depende de que cada uma tenha já se tornado dupla com respeito a si mesma" (Mario Perniola, op. cit., p. 145). Ressoam aqui as palavras de Montaigne: "somos duplos em nós mesmos []. Eu agora, eu depois, somos a bem dizer dois" (Essais, II, 16, III, 9, ed. Livre de Poche, 3 vol., 1972). Somos constituídos de matéria tão informe e diversa que "cada peça, cada momento faz seu jogo. E há mais diferença de nós a nós mesmos do que de nós a um outro" (idem, II, 2). Segue-se, em Montaigne, um respeito pela estranheza aparente do Outro, que seria logo adiante compreendida na naturalidade universal deste "eu-país" ampliado que somos, diversificado e tolerante: "tive, por longo período, um homem comigo (um indígena vindo do Brasil a Rouen em 1556) que permaneceu de dez a doze anos (entre nós). O novo mundo foi descoberto em nosso século, no lugar em que Vilegaignon aportou e denominou França Antártica. A descoberta deste país infinito deve ser levada em consideração []. Estes homens estrangeiros e estranhos não conhecem nenhuma forma de contrato" (idem, I, 31). São frugais, diferentes dos europeus, canibais em certas horas, mas de forma alguma desprovidos de bom senso nesse mesmo rito, tendo talento poético em seu folclore. Montaigne hesita em chamá-los bárbaros: "pode-se muito bem tratá-los de bárbaros, de acordo com as leis da razão, mas não em comparação conosco que os ultrapassamos em toda espécie de crueldade" (idem, I, 31). Montaigne critica o domínio colonial dos espanhóis e da Igreja dizendo que os nativos da América nada têm a invejar nos europeus em habilidades e "quanto a sua devoção, observância das leis, bondade, generosidade, sinceridade (franchise), nos foi muito útil não tê-las tanto quanto eles" (III, 6). Os massacres com os quais os colonos dizimaram homens no México e no Peru são matanças, horríveis hostilidades e miseráveis calamidades" (III, 6). Montaigne defende religiões e raças contra todos os excessos das religiões e das raças.
Interrogar a intolerância é, pois, questionar as relações do eu ao outro mas sobretudo de nós a nós mesmos. Ou, nos termos de Freud, este eu que nos é tão íntimo é, também, inquietantemente estranho. Partindo do estudo semântico do adjetivo heimlich (familiar) e de seu antônimo unheimilich (secreto, escondido), Freud indica a coincidência final entre o conhecido e o desconhecido. Na própria palavra inverte-se o mais conhecido em seu contrário, nessa enigmática presença do estranho no mais familiar ­ familiar que, em certas condições, manifesta-se como estranho. É o medo que fixa o estranho fora de nós, revelando naquilo que uma vez foi familiar algo potencialmente "impregnado" do estranho, no caso, o inconsciente (in O Sinistro, São Paulo, Imago). Também nosso eu primitivo, ainda não delimitado pelo mundo externo, projeta para fora de si tudo o que experimenta como perigoso e assustador, constituindo, assim, um duplo ­ sendo estranho e inquietante justamente por conter a destrutividade de nosso próprio eu. Face ao estrangeiro que recusamos e com o qual nos identificamos sem o saber, perdem-se os limites entre o real e o imaginário de forma que o conflito se estabeleça entre a necessidade de identificação com o outro (para que não permaneça desconhecido e ameaçador) e o medo de consegui-la (e perder-se na alteridade).
Orientados pelas considerações freudianas, Horkheimer e Adorno mostram como procedem o preconceituoso racista ou o fanático religioso: fusionando representações verdadeiras acerca de si, atribuem-nas falsamente aos outros. Sua prática é a do "bode-expiatório". O anti-semita inveja secretamente o judeu por qualidades que ele lhe confere
e não suporta a frustração de não as ter. Pratica, por assim dizer, a identificação com um opressor imaginário para tornar-se, ele próprio, "justificadamente" agora, o próprio opressor. Trata-se de um dispositivo que os filósofos denominam "falsa mímesis", adaptação, através da tecnologia e da maquinaria social, a algo tomado como inanimado: "é o medo que favorece a assimilação do diferente ao idêntico ­ a exorcização do perigo através do talismã da identidade" (cf. Dialektik der Aufkärung, op. cit.). Quanto mais fraco o ego, mais forte é sua ancoragem ao idêntico. A mímesis é, neste caso, projeção fóbica e destruidora.
Reconhecer o estrangeiro em nós mesmos nos revela um país desconhecido onde fronteiras e alteridades são, permanentemente, construídas e desfeitas. Não se trata, pois, de "integrar" o estrangeiro e, ainda menos, persegui-lo, mas acolhê-lo neste " inquietante estranhamento" que é tanto o seu quanto o nosso: "somos Cristãos", anotou Montaigne, "a mesmo título que somos perigordianos ou alemães" (idem, II, 12). Trata-se de um cosmopolitismo de tipo novo, transverso a governos, economias e mercados ­ aquele que instala em nós a diferença como condição de nosso estar com os outros. Disto resulta a ampliação de nossa identidade. Se os princípios de identidade e de não contradição determinam um "terceiro excluído", rever este "princípio de Razão" significa apreender um pensamento eclético e plural que recusa a lógica binária das ortodoxias. "Razão mestiça", poderíamos dizer, porque mista e porque joga com descobertas, "com plasticidade e metamorfose, destacando um tercerio termo que, incluído, é o da tolerância heterodoxa" (Maria Helena Varela, O Heterólogo em Língua Portuguesa, Rio de Janeiro, Espaço e Tempo, 1996, p. 96). Algo semelhante pode ser encontrado, para a compreensão das hibridizações culturais, no conceito de sincretismo, para além da restrição que lhe confere o âmbito religioso. Na origem da palavra "há algo de enigmático e de alusivo []. Dizia-se, de fato, que os cretenses, sempre dispostos a uma luta entre si, se aliavam quando um inimigo externo aparecia. Sincretismo é a união dos cretenses, um conceito defensivo que ultrapassa a fragmentação política interna []. Essa determinação em unir grupos conflituais em busca de alianças entre partes da própria Creta serviu para a posterior migração do conceito: da política à religião" (M. Canevacci, Sincretismos, Exploração das Hibridizações Culturais, São Paulo, Studio Nobel, 1995, p. 15).
O sincretismo pode ser compreendido como uma metodologia. Indica um plano diferente daquele que se engaja em uma verdade essencial, espécie de identidade eleata, garantidora de uma origem. O sincretismo é um outro logos ­ que atesta a crise das aculturações violentas e corsárias. O sincretismo aparenta-se ao oxímoro: uma loucura (oxy) da linguagem que coloca em desordem as fronteiras das palavras para dar novos sentidos às coisas. Oxímoros, sincretismos, heterólogos provêm de lógicas "ilegítimas" e sem "coerência", transitando em assimetrias, contagiando significações consagradas, desviando-se de universalismos intolerantes, indigenizando-se em mutações culturais. Disciplinado numa síntese, o heterogêneo recai na universalidade homogênea, que tudo reconverte à dimensão do mesmo: o sujeito soberano. É preciso manter o passado em sua dispersão, procurando demarcar os ínfimos desvios ou mesmo completas reversões que lhe deram nascimento. O pensamento que presume ter encontrado a verdade é falso justamente por subentender a pacificação entre o pensamento e a coisa. Colocando o Eu em estado de questão, o heterólogos mestiço dá-se plena liberdade de se contradizer, já que a insularidade do Eu não responde "à realidade do real". Nas palavras de Pascal: "Tudo é um, tudo é diverso. Quantas naturezas na do homem" (Pensées, Paris, Garnier, 1964, p. 107). Nesse sentido, o outro não é nosso limite externo, mas o que nos pluraliza e através de quem podemos nos totalizar. Restritos a uma única identidade de origem, diminuímos em ser, em realidade, em humanidade.
Viver é mais do que sobreviver. No século XVI, La Boétie escrevia: "Não pode haver amizade onde há desconfiança, deslealdade, injustiça. Entre os maus, quando se reúnem, é um complô e não companhia. Eles não se entretêm, entretemem-se. Não são amigos mas cúmplices" (Discurso da Servidão Voluntária, São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 106). Sociedade que não se funda nos laços da amizade e da fraternidade é, também, sem compaixão. Esta é uma "tristeza mimética" pela qual desejamos o fim do sofrimento de um outro nós mesmos. Não é algo que se descobre na reflexão apenas, mas é criada com a ampliação de nossa identidade e sensibilidade aos pormenores da dor, pois o que os homens têm em comum é serem todos suscetíveis a sofrimentos e decepções. O co-padecimento funda-se em nossa capacidade de identificação no sentido em que "o caminho mais curto de chegarmos a nós mesmos é aquele que dá volta ao mundo". Relativizando nossos costumes, compreender-se-á que se ninguém possui a verdade, todos têm o direito a ser compreendido (Milan Kundera, Contingência, Ironia e Solidariedade, Lisboa, Presença, 1992). Em Heródoto encontramos indicações sobre a exemplaridade de conhecer-se a si mesmo pela mediação do Outro. Quando o historiador narra detalhadamente e com admiração respeitosa os costumes dos egípcios, é a própria Grécia que se faz conhecer: "Entre os egípcios, as mulheres compram e vendem, enquanto os homens ficam em casa a tecer []. Os homens carregam os fardos em suas cabeças, mas as mulheres os carregam nos ombros []. Nenhuma mulher é consagrada ao serviço de divindades, sejam estas masculinas ou femininas. Os homens são os sacerdotes de todas as divindades. Os filhos não são compelidos contra sua vontade a sustentar seus pais, mas as filhas devem fazê-lo mesmo sem o querer" (Histoires, Pléiade, livro II, 35). Conhecer o Outro é conhecer melhor a si mesmo.
Se o Outro é um nós mesmos invertido, podemos dele nos aproximar pelos laços da confiança e da amizade. Horkheimer, por sua vez, escreveu enquanto ainda existia o socialismo histórico, o do Leste Europeu: "Os estudantes fugidos do Leste, nos primeiros meses depois de sua chegada à Alemanha [Federal] são felizes porque há mais liberdade, mas logo se tornam melancólicos porque não há amizade alguma" ("Actualidad de Schopenhauer", in Sociologica, Madrid, Taurus, 1971, p. 194). Um mundo no qual só conta a lei do valor e a lógica do saber a ele associada não é o mundo humano, mas o do capital. Sociedade sem espaço para a amizade e para a fraternidade "não merece o nome de cidade, mas antes o de solidão" (Espinosa, Tratado Político, Pléiade, NRF, v. I).

Fonte: http://www.culturabrasil.pro.br/direitoshumanos2.htm

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Resenha: Discurso do Método; René Descartes.

O que é o método cartesiano? Qual sua função e objetivo? No tocante as respostas e perguntas, trabalharemos alguns conceitos da obra, principalmente no que diz respeito ao logro alcançado por um método, um cânone nos meios de pesquisa, dentre diversas fontes talvez essa obra dividida em seis partes tenha mudado os rumos da pesquisa científica no ocidente. No primeiro parágrafo do discurso do método Descartes destaca a problemática do uso incorreto da razão, ao considerar de forma audaz todos os homens racionais. Haveria de incorrer no erro as opiniões diversas, a diversidade de opiniões só poderia ser segundo o filósofo um sintoma de mau uso da razão. Como escreve Descartes: “Inexiste no mundo coisa mais bem distribuída do que o bom senso,visto que cada indivíduo acredita ser tão bem provido dele que mesmo os mais difíceis de satisfazer em qualquer outro aspecto não costumam desejar possuí-lo mais do que já possuem”[1] Portanto o método cartesiano nasce de uma indagação sobre o erro, por isso entre outras coisas o filósofo busca a certeza matemática como fonte inspiradora para instauração de um método que pudesse lhe guiar em suas pesquisas. Outrora o erro que cometeu toda a tradição em acreditar demasiadamente na lógica Aristotélica e erigir uma ciência sob suas bases, Descartes evita cometer e erige um método afim de com muita cautela não derribar os edifícios antigos sem antes ter certezas sólidas. Neste ponto o método poderia ser posto em cheque se não trouxesse certeza alguma, por isso não se trata de uma apologia, mas de um discurso. Descartes erige o próprio discurso como dúvida, nasce daí a dúvida metódica: “ conforme já foi dito acima;porém por desejar então dedicar-me apenas a pesquisa da verdade, achei que deveria agir exatamente ao contrário, e rejeitar como falso tudo aquilo que pudesse supor a menor dúvida.”[2] Ao colocar em cheque toda tradição e recorrer a um método criado para bem pensar, ao contrário dos filósofos escolásticos Descartes não universaliza o conhecimento adquirido até o momento, pelo contrário acaba demolindo todas as verdades universais levando a dúvida até o último grau, se aproximando dos céticos, mas para discordar dos céticos, uma vez que o objetivo do método é claro desde o começo do discurso encontrar a verdade. Como afirma Sergio P. Duarte “a atitude filosófica de descartes é a de usar a dúvida como um método para buscar certezas na subjetividade”[3] Nessa via a função do método é exatamente buscar tais certezas, o que compreende um cuidado maior pois a partir da subjetividade se faz filosofia e instaura-se uma nova imagem de homem, o homem moderno. “Sujeito moderno” sujeito de conhecimento, para Descartes o homem é racionalidade é “cogito” ao colocar até mesmo a própria existência em dúvida a única certeza que se pode tirar e que pensa, pois a faculdade de colocar sua própria existência em dúvida continua operante. E, enfim, considerando que quaisquer pensamentos que nos ocorrem quando estamos acordados nos podem também ocorrer enquanto dormimos, sem que exista nenhum, nesse caso, que seja correto, decidi fazer de conta que todas as coisas que até então haviam entrando no meu espírito não eram mais corretas quanto as ilusões dos meus sonhos. Porém, logo em seguida, percebi que ao mesmo tempo que eu queria pensar que tudo era falso fazia-se necessário pensar que eu, que pensava, fosse alguma coisa. E, ao notar essa verdade: eu penso, logo existo, era tão sólida era tão sólida e tão correta que as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de lhe causar abalo julguei que poderia considerá-la sem escrúpulo algum o primeiro princípio da filosofia que eu procurava. [4] Descartes, afirma o sujeito no mundo de forma subjetiva, primeiro é preciso averiguar a verdade do sujeito, a partir do sujeito é possível afirmar o mundo, mas o processo de afirmação da extensão ou corpo (res-extense) é um tanto mais complexo uma vez que persegue os ideais mecanicistas e o modelo matemático geométrico, por isso a realidade corporal e mundana não tem sentido sem o sujeito que a interpreta e a dá sentido, o sujeito cartesiano. “Compreendi então que eu era uma substância cuja essência ou natureza consiste apenas no pensar e que não necessita de lugar algum nem depende de qualquer coisa material” [5] O princípio propulsor do método é clareza e evidência, Descartes elucida muito sobre a clareza, evidência e distinção dentre todas as regras do método, regras nas quais ainda não nos atemos essas três norteiam todos os juízos possíveis. Concluindo o objetivo do método é ordenar os pensamentos em prol de erigir juízos verdadeiros, num contexto cuja verdade da metafísica clássica ressoa abalo, Descartes instaura um método para alcançar a sabedoria possível afim de engendrar um conhecimento seguro e indubitável. Dentre os termos que não destacamos como a moral provisória e as quatro regras do método; achamos melhor não delongar nesses preceitos e distinguir o método sua função e objetivo.
REFERÊNCIAS [1] Discurso do método. P.35. Os pensadores, Nova cultural; São Paulo. 200 [2] Discurso do método. P.61. Os pensadores, Nova cultural; São Paulo. 200 [3] Descartes: da ciência á sabedoria. DUARTE. S.Pedro. P.37. Mestrado em Filosofia PUC- São Paulo 2005 [4]Discurso do método. P.60. Os pensadores, Nova cultural; São Paulo. 2000 [5] Discurso do método. P.62. Os pensadores, Nova cultural; São Paulo. 2000
Autor: Silva, Neto,Hugo.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

O lugar do Homem no cosmo Platônico.























RESUMO

No presente estudo pretende-se destacar a concepção antropológica em Platão e sua relação com o cosmos ao articular a concepção grega de homem, concepção que perpassa pela tradição órfica presente no pensamento platônico. Nosso desafio é pensar o homem platônico em sua totalidade; totalidade essa, impossível de ser compreendida sem uma leitura prévia do homem grego e da Paidéia. Por isso, entre outras questões, o cosmos platônico deve ser entendido como totalidade da expressão possível do ser; ou seja, expressão do bem.


1.CONCEPÇÃO METAFÍSICA DO COSMOS.

Platão lança de forma direta a concepção de um princípio não-físico na busca da compreensão do cosmos. Todos os filósofos anteriores, principalmente os naturalistas ou pré-socráticos, buscavam princípio último da realidade recorrendo a causas físicas (água, terra, ar, fogo, calor, frio, etc.). Entretanto, a problemática central pesa justamente nessa concepção, concepção de que atinou Platão a partir da leitura crítica de Anaxágoras, que primava por um princípio de inteligência universal, como podemos constatar nesse trecho: “Platão observa que o próprio Anaxágoras, não obstante, tenha atinado com a necessidade de uma inteligência universal para conseguir explicar as coisas, não soube explorar essa sua intuição, continuando a atribuir peso preponderante ás causas físicas”. REALE; ANTISERI. P. 134. Observa-se que Platão entende o caminho pelo qual Anaxágoras procura explicar a realidade última das coisas, e a partir da intuição finalista de Anaxágoras, Platão fundamenta sua segunda navegação.

1.2 SEGUNDA NAVEGAÇÃO

Na busca da totalidade do real, Platão submete a ordem física, material, a uma causa não-física, portanto imaterial, metafísica; cujo simbólico manifesta-se alegoricamente como segunda navegação. “Na antiga linguagem dos homens do mar, “segunda navegação” se dizia daquela que quando cessava o vento e não funcionando mais as velas, se recorria aos remos. Na imagem platônica, a primeira navegação simbolizava o percurso da filosofia realizado e guiado pela filosofia naturalista.” REALE; ANTISERI. P.134. Sob o crivo de tal interpretação, Platão constrói seu sistema filosófico cujo conhecimento e a concepção cosmológica de homem subentende-se na dualidade Homem e idéia.
Sob tal dualidade REALE sintetiza muito bem: “Platão tenta a libertação radical dos sentidos e do sensível e o deslocamento decidido para o plano do raciocínio puro e do que é captável pelo intelecto e pela mente na pureza de sua atividade específica.” REALE; ANTISERI. P.134. Na realidade, a segunda navegação diz respeito ao intento platônico de compreender o cosmos, logo, nesse processo, subentende-se que a primeira navegação; realizada pelos filósofos naturalistas, não compreendia o todo por seu caráter corruptível, ou seja, por empreender em seu método a concepção do sensível pelo sensível, uma vez que; segundo Platão, a realidade física nos engana. Portanto a nova concepção cosmológica opera um deslocamento no objeto de estudo da filosofia, uma verdadeira cisão que mudará totalmente o cenário filosófico. É preciso ressaltar, também, que nesse período o problema da filosofia era a cidade, (polis-grega). Será preponderante a forma organizacional do estado, dos problemas imanentes a Paidéia como a virtude e a moral.
Toda forma de conduta humana em prol da organização da polis é reflexo do uno e do bem, de tais realidades imateriais, que gozam de uma superioridade a toda forma de matéria ou impureza. O conhecimento ou qualquer julgamento sobre o mundo, incide na participação de uma causa imaterial, ou seja, uma causa pura sobre os elementos físicos.

O sentido dessa “segunda navegação” fica particularmente claro nos exemplos apresentados pelo próprio Platão. Desejamos explicar por que certa coisa é bela? Ora para explicar esse “porquê” o naturalista invocaria elementos puramente físicos, como cor, a figura e outros elementos desse tipo. Entretanto – diz Platão – não são essas as “verdadeiras causas”, mas, ao contrário apenas meios ou con-causas. Impõe-se, portanto, postular uma causa ulterior, que, para constituir a verdadeira causa, deverá ser algo não sensível, mas inteligível. Essa causa é a idéia ou forma pura do belo em si, a qual através da sua participação ou presença ou, de qualquer modo, através de certa relação determinante, fazem com que as coisas empíricas sejam belas, isto é, se realizem segundo determinada forma, cor e proporção como convém e precisamente como devem ser para que sejam belas. REALE; ANTISERI. P. 135.

Todavia, o que fica claro na concepção platônica é que o mundo físico apresenta características metafísicas sob as quais se resguarda a verdade, verdade que só é conhecida quando contemplada, na contemplação implica o conhecimento, e conhecer implica relembrar. Sobre esses conceitos poderemos aprofundar ao longo do texto.


2 – LUGAR DO HOMEM NO COSMOS PLATÔNICO.

Nosso intento é não dissociar especificamente homem e cosmos, uma vez que a totalidade do cosmos já pressupõe o agir humano. Sócrates é quem primeiro levanta essa questão do homem na filosofia, dada complexidade em compreender Platão sem Sócrates e vice e versa, faz-se necessário essa distinção entre homem e cosmos em termos didáticos. Entretanto ao levantar algumas questões socráticas, estamos de certa forma preparando terreno para a questão do conhecimento, questão na qual Platão ira empreender por meio da dialética e da retórica, ambas as herdeiras do método socrático.
Nesse contexto é importante ressaltar o homem como instrumento de cultura (Paidéia).
De certa forma, o conhecimento em Platão remonta o único acesso humano ao mundo inteligível, nesse caso, se levanta a grande questão de como pode o homem ter acesso ao mundo inteligível?

2.1 ANAMNESE OU RECORDAR.

Quando a problemática é o conhecimento, com a segunda navegação, nota-se uma dualidade entre dois mundos, um sensível e outro inteligível, no qual se encontra todo conhecimento seguro, ou seja, a verdade. Mas como conhecer? O acesso ao mundo inteligível torna-se o desdobramento de todo conhecimento humano. Vejamos o que Reale e Antiseri nos dizem sobre esse problema: “Exatamente para superar essa aporia é que Platão descobre um caminho totalmente novo: o conhecimento é anamnese, ou seja, uma forma de recordação do que já existe desde sempre no interior de nossa alma”. REALE; ANTISERI. P.146.
Nessa perspectiva, conhecer é um ato de recordação, todavia o homem só conhece por que participou de alguma forma, ainda que na ideia do objeto de conhecimento.
“De fato; é impossível investigar e conhecer o que ainda não se conhece, porquanto, ainda que viesse a descobri-lo, seria impossível identifica-lo, pois faltaria o meio para a recordação da identificação. Por outro lado, é impossível vir a conhecer o que já se conhece, precisamente porque já é conhecido.” REALE; ANTISERI. P.146. Portanto no que concerne ao lugar do homem no cosmos platônico, o conhecimento é um reconhecimento daquilo que já se conhece, mas é preciso ressaltar as ferramentas e as formas de alcançar esse conhecimento; nessa tarefa, precisamente, é necessário investigar ainda alguns pontos importantíssimos como reminiscência da alma.

3 - O HOMEM PLATÔNICO E A ALMA. (Psyché).

A antropologia platônica versa sobre uma gnosiologia dialética, é importante frisar, no entanto, antes de qualquer consideração a importância platônica de ciência (episteme) em oposição à concepção de opinião (doxa). Enquanto a primeira se desdobra por um processo dialético que se afirma mediante a proporção do ser que investiga ou é investigado pela comprovação da verdade (ciência). A segunda, por sua vez, leva em conta nesse mesmo processo os simulacros e a apreensão que a alma faz para desfazer-se do corpo em busca do conhecimento puro; todavia o conhecimento pode ser ludibriado pela matéria e ao invés de se fazer ciência tornar-se mera opinião. Nota-se uma dualidade entre alma e corpo, dualidade que norteará todo pensamento platônico; neste caso, trata-se então de alcançar a verdade da alma negando a corporeidade. Vejamos o que nos diz o próprio Platão sobre o assunto no Fédon:
“E é este então o pensamento que nos guia; durante todo o tempo em que tivermos o corpo, e nossa alma estiver misturada a essa coisa má, jamais possuiremos completamente o objeto de nossos desejos! Ora, este objeto é como dizíamos, a verdade.” PLATAO; Fédon. P.67. Como podemos observar o objeto da análise platônica é a pureza da alma; o único instrumento pelo qual alcançamos à verdade, ou seja, todo conhecimento possível. Com relação à imortalidade da alma, Platão se desvencilha do problema socrático, ao procurar soluções para tais problemas de que se apropria, além das aporias advindas com a descoberta da segunda navegação. Todavia o quadro platônico pretende abarcar a finalidade moral do homem como saga de uma finalidade metafísica.
O cuidado de si socrático, o cuidar de si como morada, tal qual a temperança da razão, embora fosse essencial no pensamento platônico, não atende mais a complexidade da formulação platônica da alma. A segunda navegação abre “aspas” a uma nova interpretação da problemática platônica que se justifica em dois pólos: o cuidado de si e o cuidado com a cidade, nada mais é que o cuidado com a alma.
“A justiça tem de ser inerente à alma, a uma espécie de saúde espiritual do homem, cuja essência não pode ser posta em dúvida, pois de outro modo seria apenas o reflexo das variáveis influências exteriores do poder como lei escrita do estado”. JEAGER; P.761.

Portanto a justiça assim como as leis e a formação moral do homem Platônico responde a essa totalidade cujo resquício daquilo que a alma não se esqueceu por completo só pode ser relembrado através da filosofia. Nesse aspecto é possível concluir que a ética platônica corresponde a necessidade de sobrepujar o corpo, sobrepujar toda a aparência ou movimento, tudo o que não corresponde a realidade, que é concupiscível, procurando o bem, o belo, o justo em si mesmo. Umas das maiores preocupações de Platão se dava em torno da polis, a cidade é a alma do grego, a totalidade do pensamento platônico designa uma república o que nos leva a crer que a ética ordena o cosmos platônico. É impossível dissociar o pensamento platônico do ideal de república, das leis ou do político, justamente, por essa aproximação fortíssima entre o Bem (Metafísica) e a polis.

Platão faz Sócrates pronunciar no diálogo Górgias as seguintes palavras: Creio ser eu dos poucos atenienses, para não dizer o único, que tenta realizar a verdadeira arte política e o único entre os contemporâneos, que a pratica. A verdadeira arte política é a arte que cura a alma e a torna mais possível virtuosa, sendo, por isso, a arte do filósofo. REALE; ANTISERI. P.162

Por isso, faz-se necessário entender a problemática platônica em torno do cuidado com a alma, uma alma purificada é a única capaz de não deixar se guiar pelas aparências, tendo como única finalidade o bem. Nesse aspecto, Platão identifica a necessidade do político e da arte política como pedra de toque da filosofia.

3.1. A ALMA POLÍTICA DO HOMEM PLATÔNICO.

Justificamos o subtítulo: A alma política em Platão, em virtude da delicadeza em tratar o tema, sabe-se que uma das grandes paixões de Platão foi a política, e a partir das concepções já desbravadas pelo filósofo, faltava-lhe compreender a estrutura de um estado. Platão fez várias viagens compreendeu culturas diferentes, tentou implantar seu sistema de governo em outros povos, mas infelizmente não houve êxito. Mas o que nos chama atenção nesse trabalho é a ligação da alma com as atitudes e atribuições políticas (estatais). Iremos claro levar em conta que o estado era a manifestação máxima do espírito grego, pelo menos até Aristóteles. Platão de certa forma não deixa de lado esses problemas uma vez que a corrupção do estado também era objeto de análise Platônica, importante lembrar a condenação de Sócrates, impulso decisivo na formulação do estado perfeito de Platão cuja manifestação se dá em sua obra: A República.
Platão está profundamente convencido de que toda forma de política que pretenda ser autêntica deve ter em vista o bem do homem; mas, a partir do momento em que o homem e concebido como sendo sua alma, enquanto o corpo não é senão casulo passageiro e fenomênico é claro que o verdadeiro bem do homem é o seu bem espiritual. Está assim assinalada a linha de demarcação que divide a política verdadeira da falsa: a verdadeira política deve ter em vista o cuidado da alma ( o cuidado do verdadeiro homem). REALE; P.238.

A investigação Platônica já versa sobre o verdadeiro homem em oposição a falsa política praticada por homens corruptos, entendamos corrupção no sentido platônico como tudo aquilo que não deriva da verdade, ou seja, da alma de um verdadeiro governante. Portanto a corrupção está ligada ao corpo e as paixões, nessa veemente concepção é que Platão compreende um mau governo. Embora a corrupção em seu sentido lato incomodasse Platão á ponto de ter se dedicado tanto a discussão, a república vislumbrada por ele não dizia respeito aos homens em primeiro plano, mas as almas preparadas pela filosofia para governar a cidade; o estado.

4.O ESTADO IDEAL.

No cerne da concepção antropológica platônica é inevitável trabalharmos com política e ética, um assunto nem sempre bem interpretado, mas de suma importância, uma vez que dedicamos boa parte do nosso trabalho para expor a questão do homem e da alma, a totalidade do cosmos e a harmonia entre esses, basta-nos agora, sagrar o estado platônico. O objetivo de um estado ideal para Platão é a justiça, um conceito que vai permear todo o período clássico, mas como dissertar sobre justiça sem falar em ética, e mais, como dissertar sobre homem senão sobre esses preceitos? A comunidade é um traço humano, o homem só se reconhece enquanto tal, em comunidade. Vejamos o que Reale tem a nos dizer sobre essa concepção platônica em a república.

Justamente por ser uma obra ética deve ser obra política porque, para Platão, o homem só pode explicar-se moralmente se explicar-se politicamente, na medida em que o homem não é concebido por ele (como salientamos) como indivíduo distinto do cidadão, ou seja, do membro da sociedade política. O estado platônico não é senão a imagem aumentada do homem: formar o verdadeiro estado significa, para Platão, formar o verdadeiro homem. REALE; P.241.

4.1 CONCLUSÃO.

Portanto o verdadeiro estado é realmente entendido na totalidade do cosmos platônico, não na realidade individual. Remete a princípios de ordem universal, como a dualidade platônica nos deixa claro, na realidade supra-sensível comum a todas as coisas, todavia, como homem trás consiguo essa dimensão intelectiva responsável pela capacidade de filosofar, nesse caso, segundo Platão, relembrar e abarcar algum conhecimento e afastar-se do corpo através da filosofia, e como tudo que é corpóreo nos engana somente através da filosofia se alcança a sabedoria, talvez por isso, o governante ideal para Platão seja o filósofo. “Ao mesmo tempo, porém, nenhum homem vive em si e para si, e o homem que progride pessoalmente tendo como alvo a bem aventurança é inevitavelmente animado pelo espírito missionário para com toda comunidade. Por isso, o filósofo não pode ser justo consiguo sem ser um rei filósofo,”. REALE; P.241.
Todavia, além de todas essas questões de ordem ética, política e gnosiológica, fundamentais ao pensamento platônico, parte da sua obra responde aos sofistas, grandes sábios, que vendiam seus conhecimentos e relativizava o discurso. A concepção de homem grego estava em jogo, foi um período de amplas disputas intelectuais. Depois de ter percorrido por diversos conceitos podemos concluir que um dos fatores fundamentais na concepção platônica de homem foi sintetizar muito bem a primeira e a segunda navegação, utilizando-as sob uma nova estirpe de conceitos, criando um universo conceitual riquíssimo que fundamentou muito do que se produziu em termos de cultura e conhecimento no ocidente.














REFERÊNCIAS

Paidéia a Formação do Homem Grego. WERNER, Jaeger; Martins fontes, São Paulo; 1995.
___História da filosofia Antiga; Volume I. REALE, Giovanne; Edições Loyola; São Paulo, Brasil, 1993.
___História da Filosofia volume I; Da antiguidade a idade média. REALE, Giovanne; ANTISERI Dário. Paulus 7ª edição; São Paulo; 1990.
Os Pensadores; PLATÃO. Abril cultural – 3ª edição; São Paulo, 1983.
___História da Filosofia Antiga; Volume II. REALE, Giovanne; Edições Loyola; São Paulo, Brasil, 1993.
Dicionário dos Filósofos de A –Z. HUISMAN, Denis. Martins Fontes; São Paulo, 2004.

Autor: SILVA, Neto, Hugo.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Período Sócrático. ( Aulas).

Período socrático ou antropológico Com o desenvolvimento das cidades, do comércio, do artesanato e das artes militares, Atenas tornou-se o centro da vida social, política e cultural da Grécia, vivendo seu período de esplendor, conhecido como o Século de Péricles. É a época de maior florescimento da democracia. A democracia grega possuía, entre outras, duas características de grande importância para o futuro da Filosofia. Em primeiro lugar, a democracia afirmava a igualdade de todos os homens adultos perante as leis e o direito de todos de participar diretamente do governo da cidade, da polis. Em segundo lugar, e como conseqüência, a democracia, sendo direta e não por eleição de representantes, garantia a todos a participação no governo, e os que dele participavam tinham o direito de exprimir, discutir e defender em público suas opiniões sobre as decisões que a cidade deveria tomar. Surgia, assim, a figura política do cidadão. (Nota: Devemos observar que estavam excluídos da cidadania o que os gregos chamavam de dependentes: mulheres, escravos, crianças e velhos. Também estavam excluídos os estrangeiros.) Ora, para conseguir que a sua opinião fosse aceita nas assembléias, o cidadão precisava saber falar e ser capaz de persuadir. Com isso, uma mudança profunda vai ocorrer na educação grega. Quando não havia democracia, mas dominavam as famílias aristocráticas, senhoras das terras, o poder lhes pertencia. Essas famílias, valendo-se dos dois grandes poetas gregos, Homero e Hesíodo, criaram um padrão de educação, próprio dos aristocratas. Esse padrão afirmava que o homem ideal ou perfeito era o guerreiro belo e bom. Belo: seu corpo era formado pela ginástica, pela dança e pelos jogos de guerra, imitando os heróis da guerra de Tróia (Aquiles, Heitor, Ájax, Ulisses). Bom: seu espírito era formado escutando Homero e Hesíodo, aprendendo as virtudes admiradas pelos deuses e praticadas pelos heróis, a principal delas sendo a coragem diante da morte, na guerra. A virtude era a Arete (excelência e superioridade), própria dos melhores, os aristoi. Quando, porém, a democracia se instala e o poder vai sendo retirado dos aristocratas, esse ideal educativo ou pedagógico também vai sendo substituído por outro. O ideal da educação do 10 Século de Péricles é a formação do cidadão. A Arete é a virtude cívica. Ora, qual é o momento em que o cidadão mais aparece e mais exerce sua cidadania? Quando opina, discute, delibera e vota nas assembléias. Assim, a nova educação estabelece como padrão ideal a formação do bom orador, isto é, aquele que saiba falar em público e persuadir os outros na política. 4.1. Controvérsia entre Sócrates e os Sofistas Para dar aos jovens essa educação, substituindo a educação antiga dos poetas, surgiram, na Grécia, os sofistas, que são os primeiros filósofos do período socrático. Os sofistas mais importantes foram: Protágoras de Abdera, Górgias de Leontini e Isócrates de Atenas. Que diziam e faziam os sofistas? Diziam que os ensinamentos dos filósofos cosmologistas estavam repletos de erros e contradições e que não tinham utilidade para a vida da polis. Apresentavam-se como mestres de oratória ou de retórica, afirmando ser possível ensinar aos jovens tal arte para que fossem bons cidadãos. Que arte era esta? A arte da persuasão. Os sofistas ensinavam técnicas de persuasão para os jovens, que aprendiam a defender a posição ou opinião A, depois a posição ou opinião contrária, não-A, de modo que, numa assembléia, soubessem ter fortes argumentos a favor ou contra uma opinião e ganhassem a discussão. O filósofo Sócrates, considerado o patrono da Filosofia, rebelou-se contra os sofistas, dizendo que não eram filósofos, pois não tinham amor pela sabedoria nem respeito pela verdade, defendendo qualquer idéia, se isso fosse vantajoso. Corrompiam o espírito dos jovens, pois faziam o erro e a mentira valer tanto quanto a verdade. Como homem de seu tempo, Sócrates concordava com os sofistas em um ponto: por um lado, a educação antiga do guerreiro belo e bom já não atendia às exigências da sociedade grega, e, por outro lado, os filósofos cosmologistas defendiam idéias tão contrárias entre si que também não eram uma fonte segura para o conhecimento verdadeiro. (Nota: Historicamente, há dificuldade para conhecer o pensamento dos grandes sofistas porque não possuímos seus textos. Restaram fragmentos apenas. Por isso, nós os conhecemos pelo que deles disseram seus adversários - Platão, Xenofonte, Aristóteles - e não temos como saber se estes foram justos com aqueles. Os historiadores mais recentes consideram os sofistas verdadeiros representantes do espírito democrático, isto é, da pluralidade conflituosa de opiniões e interesses, enquanto seus adversários seriam partidários de uma política aristocrática, na qual somente algumas opiniões e interesses teriam o direito para valer para o restante da sociedade.) Discordando dos antigos poetas, dos antigos filósofos e dos sofistas, o que propunha Sócrates? Propunha que, antes de querer conhecer a Natureza e antes de querer persuadir os outros, cada um deveria primeiro e antes de tudo, conhecer-se a si mesmo. A expressão “conhece-te a ti mesmo” que estava gravada no pórtico do templo de Apolo, patrono grego da sabedoria, tornou-se a divisa de Sócrates. Por fazer do autoconhecimento ou do conhecimento que os homens têm de si mesmos a condição de todos os outros conhecimentos verdadeiros, é que se diz que o período socrático é antropológico, isto é, voltado para o conhecimento do homem, particularmente de seu espírito e de sua capacidade para conhecer a verdade. 4.2. O retrato de Sócrates O retrato que a história da Filosofia possui de Sócrates foi traçado por seu mais importante aluno e discípulo, o filósofo ateniense Platão. Que retrato Platão nos deixa de seu mestre, Sócrates? O de um homem que andava pelas ruas e praças de Atenas, pelo mercado e pela assembléia indagando a cada um: “Você sabe o que é isso que você está dizendo?”, “Você sabe o que é isso em que você acredita?”, “Você acha que está conhecendo realmente aquilo em que acredita, aquilo em que está pensando, aquilo que está dizendo?”, “Você diz”, falava Sócrates, “que a coragem é importante, mas: o que é a coragem? Você acredita que a justiça é importante, mas: o que é a justiça? Você diz que ama as coisas e as pessoas belas, mas o que é a beleza? Você crê que seus amigos são a melhor coisa que você tem, mas: o que é a amizade?” Sócrates fazia perguntas sobre as idéias, sobre os valores nos quais os gregos acreditavam e que julgavam conhecer. Suas perguntas deixavam os interlocutores embaraçados, irritados, curiosos, pois, quando tentavam responder ao célebre “o que é?”, descobriam, surpresos, que não sabiam responder e que nunca tinham pensado em suas crenças, seus valores e suas idéias. Mas o pior não era isso. O pior é que as pessoas esperavam que Sócrates respondesse por elas ou para elas, que soubesse as respostas às perguntas, como os sofistas pareciam saber, mas Sócrates, para desconcerto geral, dizia: “Eu também não sei, por isso estou perguntando”. Donde a famosa expressão atribuída a ele: “Sei que nada sei”. A consciência da própria ignorância é o começo da Filosofia. O que procurava Sócrates? Procurava a definição daquilo que uma coisa, uma idéia, um valor é verdadeiramente. Procurava a 11 essência verdadeira da coisa, da idéia, do valor. Procurava o conceito e não a mera opinião que temos de nós mesmos, das coisas, das idéias e dos valores. Qual a diferença entre uma opinião e um conceito? A opinião varia de pessoa para pessoa, de lugar para lugar, de época para época. É instável, mutável, depende de cada um, de seus gostos e preferências. O conceito, ao contrário, é uma verdade intemporal, universal e necessária que o pensamento descobre, mostrando que é a essência universal, intemporal e necessária de alguma coisa. Por isso, Sócrates não perguntava se tal ou qual coisa era bela - pois nossa opinião sobre ela pode variar - e sim: O que é a beleza? Qual é a essência ou o conceito do belo? Do justo? Do amor? Da amizade? Sócrates perguntava: Que razões rigorosas você possui para dizer o que diz e para pensar o que pensa? Qual é o fundamento racional daquilo que você fala e pensa? Ora, as perguntas de Sócrates se referiam a idéias, valores, práticas e comportamentos que os atenienses julgavam certos e verdadeiros em si mesmos e por si mesmos. Ao fazer suas perguntas e suscitar dúvidas, Sócrates os fazia pensar não só sobre si mesmos, mas também sobre a polis. Aquilo que parecia evidente acabava sendo percebido como duvidoso e incerto. Sabemos que os poderosos têm medo do pensamento, pois o poder é mais forte se ninguém pensar, se todo mundo aceitar as coisas como elas são, ou melhor, como nos dizem e nos fazem acreditar que elas são. Para os poderosos de Atenas, Sócrates tornara-se um perigo, pois fazia a juventude pensar. Por isso, eles o acusaram de desrespeitar os deuses, corromper os jovens e violar as leis. Levado perante a assembléia, Sócrates não se defendeu e foi condenado a tomar um veneno - a cicuta - e obrigado a suicidar-se. Por que Sócrates não se defendeu? “Porque ”, dizia ele, “se eu me defender, estarei aceitando as acusações, e eu não as aceito. Se eu me defender, o que os juízes vão exigir de mim? Que eu pare de filosofar. Mas eu prefiro a morte a ter que renunciar à Filosofia”. O julgamento e a morte de Sócrates são narrados por Platão numa obra intitulada Apologia de Sócrates, isto é, a defesa de Sócrates, feita por seus discípulos, contra Atenas. 4.3. Período Socrático Sócrates nunca escreveu. O que sabemos de seus pensamentos encontra-se nas obras de seus vários discípulos, e Platão foi o mais importante deles. Se reunirmos o que esse filósofo escreveu sobre os sofistas e sobre Sócrates, além da exposição de suas próprias idéias, poderemos apresentar como características gerais do período socrático: Ø A Filosofia se volta para as questões humanas no plano da ação, dos comportamentos, das idéias, das crenças, dos valores e, portanto, se preocupa com as questões morais e políticas. Ø O ponto de partida da Filosofia é a confiança no pensamento ou no homem como um ser racional, capaz de conhecer-se a si mesmo e, portanto, capaz de reflexão. Reflexão é a volta que o pensamento faz sobre si mesmo para conhecer-se; é a consciência conhecendo-se a si mesma como capacidade para conhecer as coisas, alcançando o conceito ou a essência delas. Ø Como se trata de conhecer a capacidade de conhecimento do homem, a preocupação se volta para estabelecer procedimentos que nos garantam que encontramos a verdade, isto é, o pensamento deve oferecer a si mesmo caminhos próprios, critérios próprios e meios próprios para saber o que é o verdadeiro e como alcançá-lo em tudo o que investiguemos. Ø A Filosofia está voltada para a definição das virtudes morais e das virtudes políticas, tendo como objeto central de suas investigações a moral e a política, isto é, as idéias e práticas que norteiam os comportamentos dos seres humanos tanto como indivíduos quanto como cidadãos. Ø Cabe à Filosofia, portanto, encontrar a definição, o conceito ou a essência dessas virtudes, para além da variedade das opiniões, para além da multiplicidade das opiniões contrárias e diferentes. As perguntas filosóficas se referem, assim, a valores como a justiça, a coragem, a amizade, a piedade, o amor, a beleza, a temperança, a prudência, etc., que constituem os ideais do sábio e do verdadeiro cidadão. Ø É feita, pela primeira vez, uma separação radical entre, de um lado a opinião e as imagens das coisas, trazidas pelos nossos órgãos dos sentidos, nossos hábitos, pelas tradições, pelos interesses, e, de outro lado, as idéias. As idéias se referem à essência íntima, invisível, verdadeira das coisas e só podem ser alcançadas pelo pensamento puro, que afasta os dados sensoriais, os hábitos recebidos, os preconceitos, as opiniões. Ø A reflexão e o trabalho do pensamento são tomados como uma purificação intelectual, que permite ao espírito humano conhecer a verdade invisível, imutável, universal e necessária. Ø A opinião, as percepções e imagens sensoriais são consideradas falsas, mentirosas, mutáveis, inconsistentes, contraditórias, devendo ser abandonadas para que o pensamento siga seu caminho próprio no conhecimento verdadeiro. Ø A diferença entre os sofistas, de um lado, e Sócrates e Platão, de outro, é dada pelo fato de que os sofistas aceitam a validade das opiniões e das percepções sensoriais e trabalham com elas para produzir argumentos de persuasão, enquanto Sócrates e Platão consideram as opiniões e as percepções sensoriais, ou imagens das coisas, como fonte de erro, mentira e falsidade, formas imperfeitas do conhecimento que nunca alcançam a verdade plena da realidade. REFERENCIA. C.E. João Alfredo, Apostila de Filosofia. Prof(a) Vera Lúcia.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

O Gênio Grego.

















A característica do gênio filosófico grego pode-se compendiar em alguns traços fundamentais: racionalismo, ou seja, a consciência do valor supremo do conhecimento racional; esse racionalismo não é, porém, abstrato, absoluto, mas se integra na experiência, no conhecimento sensível; o conhecimento, pois, não é fechado em si mesmo, mas aberto para o ser, é apreensão (realismo); e esse realismo não se restringe ao âmbito da experiência, mas a transpõe, a transcende para o absoluto, do mundo a Deus, sem o qual o mundo não tem explicação; embora, para os gregos, o "conhecer" - a contemplação, o teorético, o intelecto - tenham a primazia sobre o "operar" - a ação, o prático, a vontade - o segundo elemento todavia, não é anulado pelo primeiro, mas está a ele subordinado; e o otimismo grego, conseqüência lógica do seu próprio racionalismo, cederá lugar ao pessimismo, quando se manifestar toda a irracionalidade da realidade, quando o realismo impuser tal concepção. Todos esses elementos vêm sendo, ainda, organizados numa síntese insuperável, numa unidade harmônica, realizada por meio de um desenvolvimento também harmônico, aperfeiçoado mediante uma crítica profunda. Entre as raças gregas, a cultura, a filosofia são devidas, sobretudo, aos jônios, sendo jônios também os atenienses.

Divisão da História da Filosofia Grega
Os Períodos Principais do Pensamento Grego
Consoante a ordem cronológica e a marcha evolutiva das idéias pode dividir-se a história da filosofia grega em três períodos:
I. Período pré-socrático (séc. VII-V a.C.) - Problemas cosmológicos. Período Naturalista: pré-socrático, em que o interesse filosófico é voltado para o mundo da natureza;
II. Período socrático (séc. IV a.C.) - Problemas metafísicos. Período Sistemático ou Antropológico: o período mais importante da história do pensamento grego (Sócrates, Platão, Aristóteles), em que o interesse pela natureza é integrado com o interesse pelo espírito e são construídos os maiores sistemas filosóficos, culminando com Aristóteles;
III. Período pós-socrático (séc. IV a.C. - VI p.C.) - Problemas morais. Período Ético: em que o interesse filosófico é voltado para os problemas morais, decaindo entretanto a metafísica;
IV. Período Religioso: assim chamado pela importância dada à religião, para resolver o problema da vida, que a razão não resolve integralmente. O primeiro período é de formação, o segundo de apogeu, o terceiro de decadência.
Primeiro Período
O primeiro período do pensamento grego toma a denominação substancial de período naturalista, porque a nascente especulação dos filósofos é instintivamente voltada para o mundo exterior, julgando-se encontrar aí também o princípio unitário de todas as coisas; e toma, outrossim, a denominação cronológica de período pré-socrático, porque precede Sócrates e os sofistas, que marcam uma mudança e um desenvolvimento e, por conseguinte, o começo de um novo período na história do pensamento grego. Esse primeiro período tem início no alvor do VI século a.C., e termina dois séculos depois, mais ou menos, nos fins do século V. Surge e floresce fora da Grécia propriamente dita, nas prósperas colônias gregas da Ásia Menor, do Egeu (Jônia) e da Itália meridional, da Sicília, favorecido sem dúvida na sua obra crítica e especulativa pelas liberdades democráticas e pelo bem-estar econômico. Os filósofos deste período preocuparam-se quase exclusivamente com os problemas cosmológicos. Estudar o mundo exterior nos elementos que o constituem, na sua origem e nas contínuas mudanças a que está sujeito, é a grande questão que dá a este período seu caráter de unidade. Pelo modo de a encarar e resolver, classificam-se os filósofos que nele floresceram em quatro escolas: Escola Jônica; Escola Itálica; Escola Eleática; Escola Atomística.
Escola Jônica
A Escola Jônica, assim chamada por ter florescido nas colônias jônicas da Ásia Menor, compreende os jônios antigos e os jônios posteriores ou juniores. A escola jônica, é também a primeira do período naturalista, preocupando-se os seus expoentes com achar a substância única, a causa, o princípio do mundo natural vário, múltiplo e mutável. Essa escola floresceu precisamente em Mileto, colônia grega do litoral da Ásia Menor, durante todo o VI século, até a destruição da cidade pelos persas no ano de 494 a.C., prolongando-se porém ainda pelo V século. Os jônicos julgaram encontrar a substância última das coisas em uma matéria única; e pensaram que nessa matéria fosse imanente uma força ativa, de cuja ação derivariam precisamente a variedade, a multiplicidade, a sucessão dos fenômenos na matéria una. Daí ser chamada esta doutrina hilozoísmo (matéria animada). Os jônios antigos consideram o Universo do ponto de vista estático, procurando determinar o elemento primordial, a matéria primitiva de que são compostos todos os seres. Os mais conhecidos são: Tales de Mileto, Anaximandro de Mileto, Anaxímenes de Mileto. Os jônios posteriores distinguem-se dos antigos não só por virem cronologicamente depois, senão principalmente por imprimirem outra orientação aos estudos cosmológicos, encarando o Universo no seu aspecto dinâmico, e procurando resolver o problema do movimento e da transformação dos corpos. Os mais conhecidos são: Heráclito de Éfeso, Empédocles de Agrigento, Anaxágoras de Clazômenas.
Tales de Mileto
(624-548 A.C.) "Água"
Tales de Mileto, fenício de origem, é considerado o fundador da escola jônica. É o mais antigo filósofo grego. Tales não deixou nada escrito mas sabemos que ele ensinava ser a água a substância única de todas as coisas. A terra era concebida como um disco boiando sobre a água, no oceano. Cultivou também as matemáticas e a astronomia, predizendo, pela primeira vez, entre os gregos, os eclipses do sol e da lua. No plano da astronomia, fez estudos sobre solstícios a fim de elaborar um calendário, e examinou o movimento dos astros para orientar a navegação. Provavelmente nada escreveu. Por isso, do seu pensamento só restam interpretações formuladas por outros filósofos que lhe atribuíram uma idéia básica: a de que tudo se origina da água. Segundo Tales, a água, ao se resfriar, torna-se densa e dá origem à terra; ao se aquecer transforma-se em vapor e ar, que retornam como chuva quando novamente esfriados. Desse ciclo de seu movimento (vapor, chuva, rio, mar, terra) nascem as diversas formas de vida, vegetal e animal. A cosmologia de Tales pode ser resumida nas seguintes proposições: A terra flutua sobre a água; A água é a causa material de todas as coisas. Todas as coisas estão cheias de deuses. O imã possui vida, pois atrai o ferro.
Segundo Aristóteles sobre a teoria de Tales: elemento estático e elemento dinâmico. Elemento Estático - a flutuação sobre a água. Elemento Dinâmico - a geração e nutrição de todas as coisas pela água. Tales acreditava em uma "alma do mundo", havia um espírito divino que formava todas as coisas da água. Tales sustentava ser a água a substância de todas as coisas.
Anaximandro de Mileto (611-547 A.C.) "Ápeiron"
Anaximandro de Mileto, geógrafo, matemático, astrônomo e político, discípulo e sucessor de Tales e autor de um tratado Da Natureza, põe como princípio universal uma substância indefinida, o ápeiron (ilimitado), isto é, quantitativamente infinita e qualitativamente indeterminada. Deste ápeiron (ilimitado) primitivo, dotado de vida e imortalidade, por um processo de separação ou "segregação" derivam os diferentes corpos. Supõe também a geração espontânea dos seres vivos e a transformação dos peixes em homens. Anaximandro imagina a terra como um disco suspenso no ar. Eterno, o ápeiron está em constante movimento, e disto resulta uma série de pares opostos - água e fogo, frio e calor, etc. - que constituem o mundo. O ápeiron é assim algo abstrato, que não se fixa diretamente em nenhum elemento palpável da natureza. Com essa concepção, Anaximandro prossegue na mesma via de Tales, porém dando um passo a mais na direção da independência do "princípio" em relação às coisas particulares. Para ele, o princípio da "physis" (natureza) é o ápeiron (ilimitado). Atribui-se a Anaximandro a confecção de um mapa do mundo habitado, a introdução na Grécia do uso do gnômon (relógio de sol) e a medição das distâncias entre as estrelas e o cálculo de sua magnitude (é o iniciador da astronomia grega). Ampliando a visão de Tales, foi o primeiro a formular o conceito de uma lei universal presidindo o processo cósmico total. Diz-se também, que preveniu o povo de Esparta de um terremoto. Anaximandro julga que o elemento primordial seria o indeterminado (ápeiron), infinito e em movimento perpétuo.
Fragmentos
"Imortal...e imperecível (o ilimitado enquanto o divino) - Aristóteles, Física". Esta (a natureza do ilimitado, ele diz que) é sem idade e sem velhice. Hipólito, Refutação.
Anaxímenes de Mileto (588-524 A.C.) "Ar"
Segundo Anaxímenes, a arkhé (comando) que comanda o mundo é o ar, um elemento não tão abstrato como o ápeiron, nem palpável demais como a água. Tudo provém do ar, através de seus movimentos: o ar é respiração e é vida; o fogo é o ar rarefeito; a água, a terra, a pedra são formas cada vez mais condensadas do ar. As diversas coisas que existem, mesmo apresentando qualidades diferentes entre si, reduzem-se a variações quantitativas (mais raro, mais denso) desse único elemento. Atribuindo vida à matéria e identificando a divindade com o elemento primitivo gerador dos seres, os antigos jônios professavam o hilozoísmo e o panteísmo naturalista. Dedicou-se especialmente à meteorologia. Foi o primeiro a afirmar que a Lua recebe sua luz do Sol. Anaxímenes julga que o elemento primordial das coisas é o ar.
Fragmentos
"O contraído e condensado da matéria ele diz que é frio, e o ralo e o frouxo (é assim que ele expressa) é quente". (Plutarco). "Com nossa alma, que é ar, soberanamente nos mantém unidos, assim também todo o cosmo sopro e ar o mantém". (Aécio).
© Texto elaborado por Rosana Madjarof
OBRAS UTILIZADAS
DURANT, Will, História da Filosofia - A Vida e as Idéias dos Grandes Filósofos, São Paulo, Editora Nacional, 1.ª edição, 1926.
FRANCA S. J., Padre Leonel, Noções de História da Filosofia.
PADOVANI, Umberto e CASTAGNOLA, Luís, História da Filosofia, Edições Melhoramentos, São Paulo, 10.ª edição, 1974.