quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

O lugar do Homem no cosmo Platônico.























RESUMO

No presente estudo pretende-se destacar a concepção antropológica em Platão e sua relação com o cosmos ao articular a concepção grega de homem, concepção que perpassa pela tradição órfica presente no pensamento platônico. Nosso desafio é pensar o homem platônico em sua totalidade; totalidade essa, impossível de ser compreendida sem uma leitura prévia do homem grego e da Paidéia. Por isso, entre outras questões, o cosmos platônico deve ser entendido como totalidade da expressão possível do ser; ou seja, expressão do bem.


1.CONCEPÇÃO METAFÍSICA DO COSMOS.

Platão lança de forma direta a concepção de um princípio não-físico na busca da compreensão do cosmos. Todos os filósofos anteriores, principalmente os naturalistas ou pré-socráticos, buscavam princípio último da realidade recorrendo a causas físicas (água, terra, ar, fogo, calor, frio, etc.). Entretanto, a problemática central pesa justamente nessa concepção, concepção de que atinou Platão a partir da leitura crítica de Anaxágoras, que primava por um princípio de inteligência universal, como podemos constatar nesse trecho: “Platão observa que o próprio Anaxágoras, não obstante, tenha atinado com a necessidade de uma inteligência universal para conseguir explicar as coisas, não soube explorar essa sua intuição, continuando a atribuir peso preponderante ás causas físicas”. REALE; ANTISERI. P. 134. Observa-se que Platão entende o caminho pelo qual Anaxágoras procura explicar a realidade última das coisas, e a partir da intuição finalista de Anaxágoras, Platão fundamenta sua segunda navegação.

1.2 SEGUNDA NAVEGAÇÃO

Na busca da totalidade do real, Platão submete a ordem física, material, a uma causa não-física, portanto imaterial, metafísica; cujo simbólico manifesta-se alegoricamente como segunda navegação. “Na antiga linguagem dos homens do mar, “segunda navegação” se dizia daquela que quando cessava o vento e não funcionando mais as velas, se recorria aos remos. Na imagem platônica, a primeira navegação simbolizava o percurso da filosofia realizado e guiado pela filosofia naturalista.” REALE; ANTISERI. P.134. Sob o crivo de tal interpretação, Platão constrói seu sistema filosófico cujo conhecimento e a concepção cosmológica de homem subentende-se na dualidade Homem e idéia.
Sob tal dualidade REALE sintetiza muito bem: “Platão tenta a libertação radical dos sentidos e do sensível e o deslocamento decidido para o plano do raciocínio puro e do que é captável pelo intelecto e pela mente na pureza de sua atividade específica.” REALE; ANTISERI. P.134. Na realidade, a segunda navegação diz respeito ao intento platônico de compreender o cosmos, logo, nesse processo, subentende-se que a primeira navegação; realizada pelos filósofos naturalistas, não compreendia o todo por seu caráter corruptível, ou seja, por empreender em seu método a concepção do sensível pelo sensível, uma vez que; segundo Platão, a realidade física nos engana. Portanto a nova concepção cosmológica opera um deslocamento no objeto de estudo da filosofia, uma verdadeira cisão que mudará totalmente o cenário filosófico. É preciso ressaltar, também, que nesse período o problema da filosofia era a cidade, (polis-grega). Será preponderante a forma organizacional do estado, dos problemas imanentes a Paidéia como a virtude e a moral.
Toda forma de conduta humana em prol da organização da polis é reflexo do uno e do bem, de tais realidades imateriais, que gozam de uma superioridade a toda forma de matéria ou impureza. O conhecimento ou qualquer julgamento sobre o mundo, incide na participação de uma causa imaterial, ou seja, uma causa pura sobre os elementos físicos.

O sentido dessa “segunda navegação” fica particularmente claro nos exemplos apresentados pelo próprio Platão. Desejamos explicar por que certa coisa é bela? Ora para explicar esse “porquê” o naturalista invocaria elementos puramente físicos, como cor, a figura e outros elementos desse tipo. Entretanto – diz Platão – não são essas as “verdadeiras causas”, mas, ao contrário apenas meios ou con-causas. Impõe-se, portanto, postular uma causa ulterior, que, para constituir a verdadeira causa, deverá ser algo não sensível, mas inteligível. Essa causa é a idéia ou forma pura do belo em si, a qual através da sua participação ou presença ou, de qualquer modo, através de certa relação determinante, fazem com que as coisas empíricas sejam belas, isto é, se realizem segundo determinada forma, cor e proporção como convém e precisamente como devem ser para que sejam belas. REALE; ANTISERI. P. 135.

Todavia, o que fica claro na concepção platônica é que o mundo físico apresenta características metafísicas sob as quais se resguarda a verdade, verdade que só é conhecida quando contemplada, na contemplação implica o conhecimento, e conhecer implica relembrar. Sobre esses conceitos poderemos aprofundar ao longo do texto.


2 – LUGAR DO HOMEM NO COSMOS PLATÔNICO.

Nosso intento é não dissociar especificamente homem e cosmos, uma vez que a totalidade do cosmos já pressupõe o agir humano. Sócrates é quem primeiro levanta essa questão do homem na filosofia, dada complexidade em compreender Platão sem Sócrates e vice e versa, faz-se necessário essa distinção entre homem e cosmos em termos didáticos. Entretanto ao levantar algumas questões socráticas, estamos de certa forma preparando terreno para a questão do conhecimento, questão na qual Platão ira empreender por meio da dialética e da retórica, ambas as herdeiras do método socrático.
Nesse contexto é importante ressaltar o homem como instrumento de cultura (Paidéia).
De certa forma, o conhecimento em Platão remonta o único acesso humano ao mundo inteligível, nesse caso, se levanta a grande questão de como pode o homem ter acesso ao mundo inteligível?

2.1 ANAMNESE OU RECORDAR.

Quando a problemática é o conhecimento, com a segunda navegação, nota-se uma dualidade entre dois mundos, um sensível e outro inteligível, no qual se encontra todo conhecimento seguro, ou seja, a verdade. Mas como conhecer? O acesso ao mundo inteligível torna-se o desdobramento de todo conhecimento humano. Vejamos o que Reale e Antiseri nos dizem sobre esse problema: “Exatamente para superar essa aporia é que Platão descobre um caminho totalmente novo: o conhecimento é anamnese, ou seja, uma forma de recordação do que já existe desde sempre no interior de nossa alma”. REALE; ANTISERI. P.146.
Nessa perspectiva, conhecer é um ato de recordação, todavia o homem só conhece por que participou de alguma forma, ainda que na ideia do objeto de conhecimento.
“De fato; é impossível investigar e conhecer o que ainda não se conhece, porquanto, ainda que viesse a descobri-lo, seria impossível identifica-lo, pois faltaria o meio para a recordação da identificação. Por outro lado, é impossível vir a conhecer o que já se conhece, precisamente porque já é conhecido.” REALE; ANTISERI. P.146. Portanto no que concerne ao lugar do homem no cosmos platônico, o conhecimento é um reconhecimento daquilo que já se conhece, mas é preciso ressaltar as ferramentas e as formas de alcançar esse conhecimento; nessa tarefa, precisamente, é necessário investigar ainda alguns pontos importantíssimos como reminiscência da alma.

3 - O HOMEM PLATÔNICO E A ALMA. (Psyché).

A antropologia platônica versa sobre uma gnosiologia dialética, é importante frisar, no entanto, antes de qualquer consideração a importância platônica de ciência (episteme) em oposição à concepção de opinião (doxa). Enquanto a primeira se desdobra por um processo dialético que se afirma mediante a proporção do ser que investiga ou é investigado pela comprovação da verdade (ciência). A segunda, por sua vez, leva em conta nesse mesmo processo os simulacros e a apreensão que a alma faz para desfazer-se do corpo em busca do conhecimento puro; todavia o conhecimento pode ser ludibriado pela matéria e ao invés de se fazer ciência tornar-se mera opinião. Nota-se uma dualidade entre alma e corpo, dualidade que norteará todo pensamento platônico; neste caso, trata-se então de alcançar a verdade da alma negando a corporeidade. Vejamos o que nos diz o próprio Platão sobre o assunto no Fédon:
“E é este então o pensamento que nos guia; durante todo o tempo em que tivermos o corpo, e nossa alma estiver misturada a essa coisa má, jamais possuiremos completamente o objeto de nossos desejos! Ora, este objeto é como dizíamos, a verdade.” PLATAO; Fédon. P.67. Como podemos observar o objeto da análise platônica é a pureza da alma; o único instrumento pelo qual alcançamos à verdade, ou seja, todo conhecimento possível. Com relação à imortalidade da alma, Platão se desvencilha do problema socrático, ao procurar soluções para tais problemas de que se apropria, além das aporias advindas com a descoberta da segunda navegação. Todavia o quadro platônico pretende abarcar a finalidade moral do homem como saga de uma finalidade metafísica.
O cuidado de si socrático, o cuidar de si como morada, tal qual a temperança da razão, embora fosse essencial no pensamento platônico, não atende mais a complexidade da formulação platônica da alma. A segunda navegação abre “aspas” a uma nova interpretação da problemática platônica que se justifica em dois pólos: o cuidado de si e o cuidado com a cidade, nada mais é que o cuidado com a alma.
“A justiça tem de ser inerente à alma, a uma espécie de saúde espiritual do homem, cuja essência não pode ser posta em dúvida, pois de outro modo seria apenas o reflexo das variáveis influências exteriores do poder como lei escrita do estado”. JEAGER; P.761.

Portanto a justiça assim como as leis e a formação moral do homem Platônico responde a essa totalidade cujo resquício daquilo que a alma não se esqueceu por completo só pode ser relembrado através da filosofia. Nesse aspecto é possível concluir que a ética platônica corresponde a necessidade de sobrepujar o corpo, sobrepujar toda a aparência ou movimento, tudo o que não corresponde a realidade, que é concupiscível, procurando o bem, o belo, o justo em si mesmo. Umas das maiores preocupações de Platão se dava em torno da polis, a cidade é a alma do grego, a totalidade do pensamento platônico designa uma república o que nos leva a crer que a ética ordena o cosmos platônico. É impossível dissociar o pensamento platônico do ideal de república, das leis ou do político, justamente, por essa aproximação fortíssima entre o Bem (Metafísica) e a polis.

Platão faz Sócrates pronunciar no diálogo Górgias as seguintes palavras: Creio ser eu dos poucos atenienses, para não dizer o único, que tenta realizar a verdadeira arte política e o único entre os contemporâneos, que a pratica. A verdadeira arte política é a arte que cura a alma e a torna mais possível virtuosa, sendo, por isso, a arte do filósofo. REALE; ANTISERI. P.162

Por isso, faz-se necessário entender a problemática platônica em torno do cuidado com a alma, uma alma purificada é a única capaz de não deixar se guiar pelas aparências, tendo como única finalidade o bem. Nesse aspecto, Platão identifica a necessidade do político e da arte política como pedra de toque da filosofia.

3.1. A ALMA POLÍTICA DO HOMEM PLATÔNICO.

Justificamos o subtítulo: A alma política em Platão, em virtude da delicadeza em tratar o tema, sabe-se que uma das grandes paixões de Platão foi a política, e a partir das concepções já desbravadas pelo filósofo, faltava-lhe compreender a estrutura de um estado. Platão fez várias viagens compreendeu culturas diferentes, tentou implantar seu sistema de governo em outros povos, mas infelizmente não houve êxito. Mas o que nos chama atenção nesse trabalho é a ligação da alma com as atitudes e atribuições políticas (estatais). Iremos claro levar em conta que o estado era a manifestação máxima do espírito grego, pelo menos até Aristóteles. Platão de certa forma não deixa de lado esses problemas uma vez que a corrupção do estado também era objeto de análise Platônica, importante lembrar a condenação de Sócrates, impulso decisivo na formulação do estado perfeito de Platão cuja manifestação se dá em sua obra: A República.
Platão está profundamente convencido de que toda forma de política que pretenda ser autêntica deve ter em vista o bem do homem; mas, a partir do momento em que o homem e concebido como sendo sua alma, enquanto o corpo não é senão casulo passageiro e fenomênico é claro que o verdadeiro bem do homem é o seu bem espiritual. Está assim assinalada a linha de demarcação que divide a política verdadeira da falsa: a verdadeira política deve ter em vista o cuidado da alma ( o cuidado do verdadeiro homem). REALE; P.238.

A investigação Platônica já versa sobre o verdadeiro homem em oposição a falsa política praticada por homens corruptos, entendamos corrupção no sentido platônico como tudo aquilo que não deriva da verdade, ou seja, da alma de um verdadeiro governante. Portanto a corrupção está ligada ao corpo e as paixões, nessa veemente concepção é que Platão compreende um mau governo. Embora a corrupção em seu sentido lato incomodasse Platão á ponto de ter se dedicado tanto a discussão, a república vislumbrada por ele não dizia respeito aos homens em primeiro plano, mas as almas preparadas pela filosofia para governar a cidade; o estado.

4.O ESTADO IDEAL.

No cerne da concepção antropológica platônica é inevitável trabalharmos com política e ética, um assunto nem sempre bem interpretado, mas de suma importância, uma vez que dedicamos boa parte do nosso trabalho para expor a questão do homem e da alma, a totalidade do cosmos e a harmonia entre esses, basta-nos agora, sagrar o estado platônico. O objetivo de um estado ideal para Platão é a justiça, um conceito que vai permear todo o período clássico, mas como dissertar sobre justiça sem falar em ética, e mais, como dissertar sobre homem senão sobre esses preceitos? A comunidade é um traço humano, o homem só se reconhece enquanto tal, em comunidade. Vejamos o que Reale tem a nos dizer sobre essa concepção platônica em a república.

Justamente por ser uma obra ética deve ser obra política porque, para Platão, o homem só pode explicar-se moralmente se explicar-se politicamente, na medida em que o homem não é concebido por ele (como salientamos) como indivíduo distinto do cidadão, ou seja, do membro da sociedade política. O estado platônico não é senão a imagem aumentada do homem: formar o verdadeiro estado significa, para Platão, formar o verdadeiro homem. REALE; P.241.

4.1 CONCLUSÃO.

Portanto o verdadeiro estado é realmente entendido na totalidade do cosmos platônico, não na realidade individual. Remete a princípios de ordem universal, como a dualidade platônica nos deixa claro, na realidade supra-sensível comum a todas as coisas, todavia, como homem trás consiguo essa dimensão intelectiva responsável pela capacidade de filosofar, nesse caso, segundo Platão, relembrar e abarcar algum conhecimento e afastar-se do corpo através da filosofia, e como tudo que é corpóreo nos engana somente através da filosofia se alcança a sabedoria, talvez por isso, o governante ideal para Platão seja o filósofo. “Ao mesmo tempo, porém, nenhum homem vive em si e para si, e o homem que progride pessoalmente tendo como alvo a bem aventurança é inevitavelmente animado pelo espírito missionário para com toda comunidade. Por isso, o filósofo não pode ser justo consiguo sem ser um rei filósofo,”. REALE; P.241.
Todavia, além de todas essas questões de ordem ética, política e gnosiológica, fundamentais ao pensamento platônico, parte da sua obra responde aos sofistas, grandes sábios, que vendiam seus conhecimentos e relativizava o discurso. A concepção de homem grego estava em jogo, foi um período de amplas disputas intelectuais. Depois de ter percorrido por diversos conceitos podemos concluir que um dos fatores fundamentais na concepção platônica de homem foi sintetizar muito bem a primeira e a segunda navegação, utilizando-as sob uma nova estirpe de conceitos, criando um universo conceitual riquíssimo que fundamentou muito do que se produziu em termos de cultura e conhecimento no ocidente.














REFERÊNCIAS

Paidéia a Formação do Homem Grego. WERNER, Jaeger; Martins fontes, São Paulo; 1995.
___História da filosofia Antiga; Volume I. REALE, Giovanne; Edições Loyola; São Paulo, Brasil, 1993.
___História da Filosofia volume I; Da antiguidade a idade média. REALE, Giovanne; ANTISERI Dário. Paulus 7ª edição; São Paulo; 1990.
Os Pensadores; PLATÃO. Abril cultural – 3ª edição; São Paulo, 1983.
___História da Filosofia Antiga; Volume II. REALE, Giovanne; Edições Loyola; São Paulo, Brasil, 1993.
Dicionário dos Filósofos de A –Z. HUISMAN, Denis. Martins Fontes; São Paulo, 2004.

Autor: SILVA, Neto, Hugo.

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